sábado, 17 de janeiro de 2009

Amigo bicho


Ele alegra, ensina e até cura. Com os cuidados e a escolha certa, crianças e animais podem ser uma dupla de sucesso.

Não tenho cães. Tenho dois filhos. Mas o fato de as crianças não viverem sob o mesmo teto com um bicho de estimação não as impede de ser atraídas pela presença desses animais. Meu caçula, de apenas 2 anos, por exemplo, ao ver a capa do livro Bom Pra Cachorro, com um lindo golden retriever, de babador e língua de fora, imediatamente imitou o bicho, mostrando a língua também. Não resistiu e foi além: lambeu a capa do livro. Que estímulo maravilhoso esse cachorro provocou nele, pensei. Bingo! Aí está uma das razões por que crianças e bichos (principalmente cachorros) combinam.

Mas será que é apenas isso? O que mais há por trás dessa relação tão bacana? O benefício principal destacado pelas famílias que têm bichos, pelos pediatras, por estudiosos da relação homem-bicho é o companheirismo, pois é ele que provoca diversos estímulos na criança. Estudos comprovam que o bebê exercita a coordenação motora fina ao ter de controlar sua força para acariciar um cachorro, um gato, um coelho. Treina a marcha ao engatinhar ou tentar andar (por vezes, correr) atrás do animal. Olfato, visão e audição são provocados pelos sons, cheiros e movimentos dos bichos.

O mascote, sobretudo o cachorro, também faz com que a criança exercite sua autoridade num mundo de 'adultos-juízes', que arbitram sobre a vida dela o tempo todo. 'Com o animal, ela terá a oportunidade de ser o juiz, mandar e desmandar. Além disso, expõe para a criança o significado de preservação à vida e de limite à dor', diz a pediatra Sandra Oliveira Campos.

Cachorros, gatos, passarinhos, peixes, ratos e até ursos são figuras constantes no universo dos pequenos. Estão no abajur do quarto, no border do papel de parede. São heróis em filmes e em livros infantis. Essa relação é fomentada, criada, incentivada porque, acima de tudo, traz bem-estar. Estudos mostram que o contato com animais ativa áreas do cérebro relacionadas com as emoções. Não é por outro motivo senão a sensação de bem-estar, físico e mental, que terapeutas lançaram mão da terapia com animais para tratar crianças hospitalizadas ou com deficiências mentais. 'É um excelente treino para a afetividade', diz Sandra.

Amizade antiga

Esse companheirismo entre homem e animal é muito mais antigo do que imaginamos. Há registros do século 12 mostrando que as famílias viviam sob o mesmo teto com seus animais, como bois, cavalos, porcos, ovelhas, macacos, aves domésticas. A moradia era uma verdadeira Arca de Noé. Hoje, a quantidade de bichos dentro das casas é, com certeza, bem menor. A relação estabelecida com os mascotes também mudou. Antes eles eram criados para trabalhar, puxar carroça, tomar conta da casa. E foi dessa necessidade humana que nasceu uma amizade perfeita, a de homens e cães.

O historiador Keith Thomas, em seu livro O Homem e o Mundo Natural (Ed. Cia. das Letras), destaca que o cão foi, de longe, eleito o animal preferido pelo homem. Primeiro, para proteger a propriedade e, por volta do século 17, tornando-se objeto de satisfação emocional. Domesticados, os cachorros obedecem aos donos e gostam da companhia humana.

Pesquisadores ainda hoje discutem a data e a origem dessa domesticação. Segundo o pesquisador húngaro Adam Miklósi, ela teria se iniciado há cerca de 25 mil anos, provocando uma mudança gradual em algumas espécies de lobos, que foram deixando a vida selvagem e se transformando em cães domesticados. 'O cachorro que conhecemos hoje tem cerca de 15 mil anos', afirmou Miklósi, em entrevista exclusiva para CRESCER. Esse longo período de transformação modificou completamente o cachorro. Enquanto o lobo deixa a sua matilha logo que se torna adulto, o cachorro fica na família até morrer. 'E, hoje, ele é o mais sociável de todos os bichos', afirma a pesquisadora de comportamento animal, a americana Temple Grandin, também autora do livro Animals in Translation (algo como 'Animais Traduzidos', ainda não editado no Brasil). Ela explica que nenhum outro animal tem a capacidade de desenvolver laços de amizade com o ser humano com tamanho grau de fidelidade. Nem o gato, apesar de ter sido domesticado muito antes. 'A diferença entre os bichos é que os cães têm emoções muito parecidas com as dos humanos. Ficam tristes, felizes, enciumados', diz Temple. O cão já nasceria pré-programado para viver comigo, com você e com seus filhos.

Um companheiro em casa

Se o principal benefício é a companhia, então os cachorros seriam os presentes ideais, por exemplo, para filhos únicos, podem pensar algumas pessoas. Calma. Não é bem assim. Apesar de o animal ocupar uma posição prazerosa na vida da criança, ele não supre a relação que ela necessita ter com humanos, que é muito complexa. 'Aprende-se a lidar com pessoas lidando com pessoas', diz a pediatra Sandra. Algo que naturalmente ocorre na escola. A veterinária Maria Inês Ferreira acrescenta que não adianta levar um animal de estimação para casa pensando que 'um bicho pode distrair a criança para que ela não 'atrapalhe' os afazeres dos adultos'. Ou, ainda, que os pais devam dar um bicho ao filho para que ele treine ter responsabilidade. Calma mais uma vez. Crianças menores de 10 anos não têm capacidade para cuidar plenamente do animal. 'A partir dos 7 anos, os pais podem atribuir uma tarefa para ela', diz a pediatra Sandra. E qual, dentre os cuidados necessários: alimentar, dar água, passear, dar banho, limpar o local onde ele fica, entre outros? Assim como a criança não consegue arrumar o quarto inteiro, limpar janelas, trocar roupa de cama, ela também não pode cuidar totalmente do animal. É colocar nas costas da criança uma responsabilidade que é dos adultos. Se estabelecer que o filho é responsável pela água do bicho, essa atividade deve fazer parte da rotina infantil, o que não significa que, durante um certo tempo, você não terá de lembrar isso à criança.


Extraído da Revista Crescer, abril/2007

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