sábado, 17 de janeiro de 2009

Seu filho não está fofo demais?


Uma em cada três crianças está acima do peso no país. O Ministério da Saúde lança novas tabelas de curvas de crescimento infantil para fisgar essa turma cada vez mais cedo e evitar que fique doente.

Se as dobras em excesso de seu bebê de 1 ano têm sido motivo mais de receio do que de orgulho, não menospreze seu instinto de mãe (e de pai). Insista com o pediatra se o bebê não está pesado além da conta. O Ministério da Saúde apresentou as novas tabelas de curvas de crescimento infantil para que médicos e pais olhem com rigor as muitas, muitas, muitas dobras das crianças.

A diferença entre as tabelas atuais, ainda em vigor, e as novas (que serão aplicadas a partir de 2007) está, principalmente, no diagnóstico precoce de obesidade e de desnutrição infantil. “Para ter uma idéia, pela nova tabela uma criança de 4 anos terá de ser um quilo mais magra do que prega a atual”, diz Roseli Sarni, presidente do Departamento Científico de Nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria. “A antiga curva considerava normal uma criança obesa porque tinha como referência bebês americanos, alimentados com leite integral que tem alto teor de gordura”, completa Marília Leão, consultora técnica da política de alimentação e nutrição do Ministério da Saúde.

A nova tabela leva em consideração bebês amamentados no seio. “E o aleitamento materno faz com que os bebês sejam longilíneos”, diz Marília. Com a mudança, uma sombria perspectiva surge: o número de menores de 5 anos que estão obesos deve aumentar em 20% a 30% além do que se imaginava. Seriam 20 milhões com sobrepeso ou obesas. No Brasil, uma em cada três crianças, entre 7 e 12 anos, está além do peso ideal. Segundo o Ministério da Saúde, se as novas curvas estivessem em uso, não haveria essa epidemia - que é maior entre as classes A e B do que entre os mais pobres.

A porcentagem de crianças abaixo de 5 anos que estão obesas deve aumentar em 20% a 30% com a nova curva de crescimento.

Olhar apurado
As novas tabelas devem evitar o que ocorre hoje. Os pequenos pacientes costumam chegar aos especialistas quando são gordos há um bom tempo. Um estudo feito nos Estados Unidos com mães de crianças com sobrepeso mostrou que 79% delas não notavam a silhueta redonda dos filhos. “Encontro pais que perguntaram ao pediatra se o filho estava gordinho, e o médico disse que não, criança é assim mesmo, depois crescia”, afirma a pediatra Lilian Zaboto, chefe do Departamento de Obesidade Infantil da Associação Brasileira para Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso).

Luciana Bastos Hernandes, mãe de Tiago, 4 anos, e Danilo, 10, desconfiava que os filhos estavam meio gordinhos. O pediatra dizia para não se preocupar. Inconformada, foi procurar outro especialista. Os meninos tiveram de entrar em tratamento. Danilo precisa perder sete quilos. Os especialistas ainda não definiram a média do caçula. “A perda de peso dos menores de 7 anos deve ser lenta e sem uma perda calórica determinada, para não comprometer o crescimento”, diz Roseli. O jeito mais eficiente é diminuir a quantidade de comida dos pequenos. A perda rápida só é indicada quando existem doenças provocadas pelo excesso de gordura, como a apnéia (um distúrbio do sono). Ela é apenas um dos sérios problemas de saúde provocados pela obesidade (veja o Senhor Incrível na página ao lado).

Em 80% das crianças obesas, já se registra algum tipo de alteração no mecanismo da insulina ou nas taxas de colesterol e de triglicérides. Outro dado é o de que toda criança obesa gosta muito de comer. “O obeso pode ser um viciado em comida. As pessoas compulsivas têm uma programação mental para ser assim. Quando entram em dieta, precisam de observação apurada para não trocar a compulsão”, afirma Durval Damiani, pediatra-endocrinologista do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas de São Paulo.

A dieta média das crianças brasileiras inclui hoje cinco vezes mais bolachas e refrigerantes do que nos anos 70.

Vida sedentária
A mudança no estilo de vida é, segundo a maioria dos especialistas, a principal razão da pandemia. As diversões que não exigem atividade física, como videogames ou TV, são acompanhadas por “porcaritos”. Estudo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) concluiu que, a cada dez minutos de exibição de programas infantis na TV, um minuto tem como objetivo estimular o consumo de produtos alimentícios com alto teor de gordura saturada e açúcar refinado. Segundo a Organização Mundial de Saúde, 30 segundos de propaganda já seriam suficientes para influenciar a garotada.

Trancadas em casa pela falta de segurança, as crianças se movimentam cada vez menos. Um estudo entre crianças no Rio de Janeiro mostrou que 60% dos meninos e 78% das meninas não fazem nenhum tipo de brincadeira que envolva atividade física. A Associação Americana de Cardiologia recomenda que cada criança tenha ao menos uma hora de atividade física por dia. Basta qualquer brincadeira em que o corpo se movimente.

A mudança no tipo de alimentação foi outro grande vilão. O teor calórico das porções vendidas em supermercados é em média oito vezes superior ao recomendado. A dieta média das crianças brasileiras inclui hoje cinco vezes mais bolachas e refrigerantes que nos anos 70. O consumo de refrigerante é de 66 litros por ano por pessoa, ou pouco mais de 6 quilos de açúcar por cabeça.

Milena era capaz de tomar um litro de refrigerante por dia. “Bebia feito água”, diz a mãe, Lucien Rodrigues Araújo. Aos 6 anos, e 36 quilos, ela iniciou a dieta há um mês. Ainda está no período de adaptação. Mas a mãe já nota diferenças. Come alface, tomate, brócolis com mais freqüência. “Os pais são os responsáveis pela escolha do alimento a ser oferecido para a criança. Ela não tem conhecimento sobre o que faz bem ou mal. Pede o que gosta”, afirma Rita Maria Monteiro Goulart, doutora em nutrição e professora do curso de nutrição da Universidade São Judas Tadeu.

Sucesso e fracasso
Tratar não significa cura imediata. A taxa de sucesso no tratamento da obesidade infantil ainda é baixa - entre 20% a 30% dos casos. O processo é longo (os efeitos costumam não aparecer antes de seis meses), difícil, caro, e exige empenho de todos. “Se a família não se envolve, as crianças não conseguem”, afirma Catarina Wolff, psicóloga do Espaço Leve, de prevenção e tratamento da obesidade infantil, em São Paulo. Quanto mais informação os pais tiverem, melhor alimentados serão os filhos.

Elaine Saura da Silva não sabia que oferecer leite após a refeição principal rouba o ferro dos alimentos. Hoje, sucos de fruta são preferenciais. A família inteira entrou na dieta por causa da filha Jaqueline, 4 anos. Em dieta há um ano, a menina perdeu quatro quilos. Exibe orgulhosa os 22 quilos. O pai eliminou cinco, e a mãe, dez. Jaqueline ainda não recebeu alta. Mas as dores nas pernas que a impediam de andar sumiram. Aos 2 anos, ela tinha peso de uma criança de 4. O excesso sobrecarregava os ossos e a impedia de fazer o que mais gosta: brincar. Ou seja: dobras excessivas indicam perigo e não fofurice.

Como prevenir
O que os pais podem fazer para evitar a obesidade infantil

Estenda o período de aleitamento materno ao máximo. Isso reduz o risco de obesidade por vários anos consecutivos.
Na medida do possível, ensine a criança a comer frutas, verduras e legumes. Acostume a criança a comer nas horas certas - seis refeições por dia - e mantenha a rotina.
Procure não estocar guloseimas e refrigerantes em casa. Crianças não sabem resistir às tentações.
Não deixe que a criança passe muitas horas diante da TV. A média nacional são três horas e meia.
Não ofereça doces como prêmio por bom comportamento.
Durante as refeições, não force a criança a comer. Se ela parou, parou.
Não mande salgadinhos industrializados, refrigerantes ou chocolates na lancheira.
Faça programas com as crianças, que envolvam atividade física. Mais passeios, menos cinema.
Evite o mau exemplo. Não adianta entornar um refrigerante de 2 litros e proibir a bebida para a criança.
Por Patrícia Cerqueira, com Ernesto Bernardes e Paloma Cotes (Época)
Colaborou Vanya Fernandes
Fonte: Revista Crescer, junho/2006

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