sábado, 17 de janeiro de 2009

Aos mestres com carinho


Muito trabalho e responsabilidade, pouco dinheiro e prestígio. O que segura o professor na escola é uma aposta incansável num futuro melhor para o seu filho.

Como fazer o filho estudar? Como fazer com que ele respeite o amigo? Como ensinar a ele que nem todo mundo é igual? Como mostrar a importância de não jogar o papel de bala na rua? Como levar mais crianças para as escolas? Como criar um vestibular mais justo?

Dentro de casa, na escola, na imprensa ou no governo, não se fala de outra coisa a não ser educação. Não é para menos: dirigida à criança, ela é o grande recurso de qualquer país para tornar possível – e de fato viável – a esperança de um futuro melhor. E nem é preciso lembrar: não há educação sem escola e não existe escola sem professor.

O grande alicerce
Hoje, com pai e mãe fora de casa a maior parte do dia, a participação desses profissionais na formação de seu filho começa ainda mais cedo, no tanque de areia da escola de educação infantil. Agora é na escola, com um grupinho bem maior, que seu filho aprende a se defender da mordida de um colega ou a emprestar o brinquedo para o amigo. É onde a criança ensaia os primeiros passos da vida coletiva, antes dados com os vizinhos ou filhos de amigos da família. Isso em uma fase delicada em que a criança está experimentando a independência longe da família e vai levar todas as suas inseguranças e receios para o professor. Quanta responsabilidade!

Além de acompanhar a estréia de seu filho na vida em grupo, é na escola que aquele monte de informações que a criança recebe diariamente começa a ser organizada. E essa é outra função essencial do professor desde que o conhecimento passou a circular livremente levado pelos veículos de comunicação: ser aquele que ajuda a decifrar as informações.

"Vivemos em um mundo muito complexo", declara Júlio Groppa Aquino, da Faculdade de Educação da USP. "Li outro dia que o conjunto de informações que a humanidade produz – obras, pesquisas, descobertas, idéias – dobra a cada seis meses atualmente e que, no ano 2017, vai dobrar a cada segundo", conta o professor. De fato, não há como sobreviver a isso sozinho. "O professor é quem ensina a aprender e a valorizar essa aprendizagem", reforça Neide Noffs, psicopedagoga da PUC de São Paulo.

Velhos problemas
Como uma profissão estratégica para o desenvolvimento do ser humano, para a formação de cidadãos e para a manutenção da democracia é tão desprestigiada? "O Brasil nunca tratou a sério a profissão de professor", ataca Pedro Demo, sociólogo da Universidade de Brasília. Começando pela remuneração desses profissionais, cujos salários estão longe de serem dignos. "A solução para isso só é possível a longo prazo. Mas o setor público precisa se interessar pela causa", declara o sociólogo.

Júlio Aquino, por sua vez, acredita ser preciso avaliar melhor a importância do trabalho do professor para a formação da criança, para depois estabelecer qual o valor desse trabalho em dinheiro. "Ainda não se conseguiu ter uma noção clara e aceita por todos sobre esse valor. Mas a próxima geração de professores certamente será melhor remunerada", afirma, otimista.

Saldo positivo
Se há trabalho demais e salário de menos, o que move os professores a continuarem obstinados em sua profissão? "Chegar à escola e receber um abraço ou parar em uma sinaleira e ser reconhecida por um ex-aluno já dirigindo", afirma Jaqueline Guimarães Rocha, 38 anos, professora de matemática da 5ª série do Colégio Israelita Brasileiro, de Porto Alegre, Rio Grande do Sul.

Além disso, há uma grande alegria na percepção de que se está contribuindo para o crescimento de um aluno. É o que conta Airlis Jabra Chena, 36 anos, professora da Educação Infantil do Colégio Dom Bosco, em Campo Grande, Mato Grosso do Sul: "Há seis anos, encontrei a mãe de um aluno, o Tobias. Ela me disse, superemocionada, que ele tinha passado em medicina. Em momentos assim, é muito bom saber que fiz parte da vida dessa criança", conta, comovida.

Depois de 30 anos na profissão, Maria Tereza Groff, 56 anos, professora do ensino fundamental da Escola Municipal Heraldo Barbuy, de São Paulo, acaba de se aposentar, mais ainda demonstra o mesmo entusiasmo de Airlis: "Quando faço um balanço das dificuldades e alegrias da profissão que escolhi, tenho a convicção de que o saldo foi positivo. Ver a alegria no rosto de uma criança no momento em que ela aprende a ler e a escrever compensa as dificuldades e decepções. Vou sentir saudades da energia dos meus alunos."

Cada um na sua
Não há dúvidas quanto à importância do professor na educação da criança. Mas seu papel não pode ser confundido com o dos pais. E os professores sabem disso. "Procuro me envolver apenas profissionalmente com meus alunos. Se acontece algum problema, ligo para os pais da criança, me preocupo com ela, mas não misturo as funções da família com as de professora", afirma Airlis Jabra Chena, professora em Campo Grande, Mato Grosso do Sul.

Nem sempre é fácil para o professor ficar imune à realidade das crianças, especialmente nas situações em que os problemas são evidentes como nas escolas que atendem a população mais carente. É o caso de Cleid Alencar, do Ciep da favela da Rocinha, no Rio de Janeiro: "Sou do tipo de professora amiga dos alunos e confesso que me envolvo demais com os problemas particulares deles. Tenho que me policiar porque chego a perder noites de sono pensando em soluções para seus casos".

Mas como estabelecer um vínculo adequado com os alunos? Um bom exemplo é o que procura seguir o professor Ricardo Nóbrega, da Escola Estadual Félix de Araújo, em Campina Grande, Paraíba: "Sempre digo aos meus alunos que a nossa relação é ecológica - devemos ajudar uns aos outros, para termos uma relação recíproca. E isso, muitas vezes, faz com que criemos um vínculo natural de amizade".

Professor legal

Ensina a pensar
Aposta e luta pelo sucesso do outro
Tem esperança e acredita em um mundo melhor
É paciente, generoso e competente
É um líder que propicia a troca de conhecimento entre as pessoas
É o articulador de valores que une o "saber" com o "fazer"
Apresenta as diferenças sociais e culturais do mundo
Aposta no futuro
"Ser professor tem um sentido, o sentido da obra. É um trabalho que permanece, seja bom ou ruim." É assim que o professor e psicólogo Júlio Groppa Aquino, da Universidade de São Paulo, define a profissão. Maria Fernanda Esteves, 41 anos, professora da 3ª série da Escola Vera Cruz, em São Paulo, atesta essa afirmação diariamente em sua sala de aula: "É muito prazeroso acompanhar o crescimento do aluno ao longo do ano e saber que você está plantando uma semente de qualidade para o futuro".

É essa esperança que move grande parte dos professores e fica ainda mais evidente no caso de Cleid Vera Alencar, 42 anos, professora no Ciep da favela da Rocinha, no Rio de Janeiro: "Escolhi ser professora para poder dar minha parcela de contribuição para ajudar as crianças mais carentes. Adoro as manifestações de carinho delas, de ouvir suas histórias". O professor se gratifica, pois sua profissão atende a um apelo da comunidade: socializar o conhecimento. Isso significa tornar possível que mais pessoas tenham acesso ao aprendizado e, assim, colaborar para uma sociedade melhor. "De certa forma, os professores se sentem menos culpados pelos problemas sociais", afirma Neide Noffs, da Faculdade de Educação da PUC de São Paulo.

Pronto para o mundo
Internet, televisão, rádio, revistas. Com tantas fontes de aprendizagem disponíveis, hoje o principal desafio do professor é ficar atento ao que a criança diz, às suas atitudes, aos conhecimentos que ela leva para a escola e orientá-la sobre como fazer uso disso tudo para viver em sociedade. "Hoje ensinar é construir conhecimento, é formar cidadãos", afirma Neide Noffs, da PUC de São Paulo.

As crianças das comunidades indígenas da Amazônia, por exemplo, aprendem português. Para quê? Para poderem compreender a sociedade em que vivem e lutarem pelos seus direitos perante a sociedade. "Cada comunidade tem ao menos uma escola, mesmo que improvisada, onde ensinamos a língua materna, para conservar nossas tradições, e a portuguesa, para que os índios possam se comunicar com as autoridades locais, se defenderem e exigirem seus direitos. Por isso, o papel do professor é tão importante no nosso caso", conta Santo Cruz Clemente, presidente da Organização Geral dos Professores Ticuna Bilíngüe, em Benjamin Constant, Amazônia.

Introduzir o conceito de cidadania, mostrando para as crianças seus deveres e direitos em relação ao mundo, não é importante apenas para os índios da Amazônia. Vale para todos: para a criança da escola particular de uma grande capital, que precisa conhecer outras realidades para poder compreender melhor o mundo, e para a que vive na favela e que tem na escola o bilhete premiado para buscar uma vida digna.


Fonte: Revista Crescer, outubro/2001

Nenhum comentário: