OS FILHOS DE HOJE
Por Silvia Amaral
Muito se fala das crianças de hoje em dia, com relação à sua precocidade. Dizem: “Qualquer dia as crianças vão nascer andando e falando”. Geralmente isso se reporta às diferenças entre as gerações, considerando que algumas funções têm aparecido e se desenvolvido mais cedo, assim como a estatura tem aumentado, provavelmente por uma alimentação diferenciada e traços genéticos que se acentuaram.
Nos aspectos socioculturais, as mudanças também vêm acontecendo de forma acentuada, principalmente em virtude do progresso tecnológico. Este trouxe diferentes hábitos ao cotidiano, com o uso cada vez maior do computador em todas as atividades e, principalmente, no acesso às informações. A velocidade com que estas chegam às nossas mãos e a facilidade de consulta através da internet trazem um incrível dinamismo à vida moderna, fazendo com que tenhamos a sensação de que o tempo está acelerado. Ou será que nós é que estamos?
Os desafios profissionais tornaram-se maiores e os pais trabalham cada vez mais, por imposição do próprio mercado ou por vontade de oferecer mais conforto aos filhos. Estes, por sua vez, preparando-se para um futuro altamente competitivo, são submetidos a aulas de toda natureza: esportes, línguas, instrumentos musicais, dança etc. Têm agenda lotada como a de um adulto. Como e quando podem se encontrar pais e filhos? Com que tempo? Com qual qualidade? Após um dia intenso, estarão todos cansados, sem disponibilidade um para o outro. Além disso, surgem obrigações domésticas para os pais e lições de casa para os filhos.
Seria de se esperar que os filhos, com toda a precocidade apontada no início desse texto, dessem conta plenamente de tudo com facilidade. Pensamos: “São jovens e não se cansam”. Engano! Nós, adultos, superestimamos a energia das crianças e desconsideramos a subjetividade, que tanto influencia o desempenho. A mola propulsora de nossas ações são a motivação, o interesse, enfim, o desejo. Sem este, nada acontece.
Poderíamos, nesse momento, enveredar pela discussão das atividades dos filhos, se estão de acordo com sua faixa etária, se são do agrado deles, se foram escolhidas por eles, se são pertinentes às suas habilidades, se atingem algum importante princípio da educação que queremos oferecer a eles, mas não é essa a reflexão pretendida. Portanto, retomemos nosso rumo.
Se os filhos atuais são tão precoces, por que observamos nas escolas, nas clínicas e mesmo em nossas casas, filhos tão imaturos, dependentes, carentes de atenção e afeto? Aonde foram parar os alunos curiosos, dedicados, estudiosos de antigamente? Vemos uma inversão de valores, quando o antialuno – aquele que diz não gostar de estudar, é indisciplinado e desafia o professor – é valorizado e o aluno aplicado é ridicularizado pelos colegas, muitas vezes sendo vítima de bullying. O que se perdeu nesse processo? Precisamos nós, educadores – e todos o somos, pais ou professores –, rever nossa atuação para descobrir o que aconteceu.
Educar dá trabalho! Um trabalho que muitas vezes gratifica, quando vemos um ótimo resultado, mas também desanima, quando os objetivos não são atingidos. Entretanto, não podemos abrir mão desse nosso papel tão importante. Somos nós, adultos, os orientadores dessa nova geração, aqueles que vão mediar as relações dos jovens com esse mundo maravilhoso, mas igualmente complexo, que aí está. Eles precisam desses princípios norteadores para se sentir seguros, confiantes e estimulados para enfrentar os desafios. A ausência de parâmetros pode ser uma das causas da imaturidade e insegurança dessa geração, e isso nos leva a pensar que os próprios pais e educadores também se sentem sem esses referenciais.
As transformações muito rápidas do mundo moderno, que relatamos no começo dessa reflexão, geraram impermanência nos valores e indefinição dos objetivos que precisamos ou queremos alcançar. Pais e professores sentem-se muitas vezes desorientados, não sabem ou não conseguem educar; e, de outro lado, filhos e alunos que indagam o que eles podem esperar dos adultos e o que se espera deles próprios. Assim, os papéis não se estabelecem e os processos de ensino-aprendizagem e educação-desenvolvimento não acontecem como deveriam e precisariam, salvo gratificantes exceções.
Educar exige abnegação, abrir mão do individualismo, tão presente hoje em dia. O ciclo pais ausentes, filhos imaturos, adolescência prolongada, entrada tardia no mercado de trabalho, priorização da carreira em vez dos relacionamentos amorosos, incluindo aí a família, leva o indivíduo a priorizar a si mesmo e se fechar para o outro e, conseqüentemente, para as relações. O egocentrismo obscurece e empobrece a visão de mundo. O culto ao hedonismo leva adultos e jovens a buscar apenas o prazer, a não assumir responsabilidades, a fugir dos seus papéis de pais e educadores, de um lado; e filhos e alunos, de outro.
Podemos errar... Por nossas ações, por aquilo que involuntariamente fazemos e até quando pensamos que acertamos!
Não devemos errar... por nossa omissão, pelo que deixamos de fazer, pelo que fingimos não ver!
A educação – não apenas informativa, mas também formativa – precisa ser reconduzida ao lugar que lhe compete, na família e na escola.
*Silvia Amaral de Mello Pinto
Coordenadora da Clínica Elipse, Pedagoga, Psicopedagoga e Conselheira da ABPp (Associação Brasileira de Psicopedagogia)
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