quarta-feira, 9 de setembro de 2009

A Educação Infantil e suas Falhas

Por Luciene Correia


As crianças mal começaram a falar e a andar, e já estão matriculadas nas instituições de ensino do país. Cada vez mais cedo as crianças chegam às escolas. A grande maioria por terem seus pais trabalhando, outras por terem pais que acreditam ser a escola uma ponte para um bom desenvolvimento infantil. Muitas vezes, é mesmo.
No entanto, é imprescindível a discussão sobre a verdadeira habilidade e o preparo dos educadores que recebem as crianças e ficam com elas a maior parte do dia. Será que é ideal? Será que há educação ou aquelas pessoas apenas ‘cuidam’ dos pequenos enquanto seus pais trabalham?
Não é preciso uma análise muito abrangente para perceber que as pessoas não sabem trabalhar diferente. Tanto nas escolas de fundo de quintal – aquelas que são casas adaptadas a escolinhas, onde não há espaço, nem tampouco condições de funcionamento como escola de educação infantil - parecem mais um ‘depósito’ de crianças. Infelizmente, o município não fiscaliza esses estabelecimentos de acordo com as normas previstas em lei nem quanto ao metro quadrado para cada criança (o mínimo são dois metros para cada criança), muito menos a relação adulto responsável para cada criança. A atenção e os cuidados precisam ser compartilhados com mais dez ou até vinte crianças.
Muitas vezes, as pessoas que ‘olham’ as crianças nas escolinhas são garotas que mal acabaram o ensino médio. Não quero dizer aqui que essas não tenham sensibilidade, nem carinho, mas onde estará o preparo? Lembro aqui então que há, sim, inúmeros profissionais preparados academicamente, mas sem qualquer talento e dom para lidar com crianças. Não basta só o talento, nem basta só a teoria. É a harmonia de ambos que faz o bom profissional de educação infantil.
É preciso criar cursos de formação de professores que coloquem novas formas de trabalhar com crianças de zero a seis anos. Os educadores estão presos a uma tradição inadequada. Por exemplo, nos cursos de formação não tem música, não tem dança, artes visuais, não tem arte plásticas. São coisas básicas. Essas são as linguagens que a criança aprende. O professor apenas reproduz as práticas da escola dele. Ele não aprendeu outra forma de trabalhar com as crianças.
O erro maior, a base, está nos cursos de formação de professores. Tanto no Magistério, na Pedagogia, Letras, Normal Superior, Licenciatura de qualquer disciplina, seja qual for o curso oferecido para formar o professor/educador, há problema. As instituições formadoras devem mudar a grade curricular para formar o professor de educação infantil, incluindo e enfatizando a prática com as crianças nessa fase da vida. É imperdoável que não haja uma psicologia mais apurada, capaz de preparar s professores para o eficiente tratamento da família.
Além da necessidade de mudança nos cursos de formação é fundamental inserir um processo de formação continuada que a direção, a coordenação e as Secretarias têm que propiciar aos professores que já estão na ativa para que remodelem seus métodos e conceitos, se atualizem e complementem suas práticas. Repensem e assumam outra postura diante de tamanha responsabilidade.
Historicamente, desde que os portugueses chegaram aqui no Brasil, valorizava-se muito a educação superior das elites. Não tivemos ainda uma política que pensasse que o ser humano se forma quando bebê. As pesquisas mostram hoje que a fase mais importante do desenvolvimento do ser humano é a educação infantil.
É nessa fase que os valores, idéias de cidadania, de comportamento, conceitos fundamentais moldam o adulto. A personalidade de qualquer ser humano deve ser estimulada de forma muito intensa nessa fase da vida – zero a seis anos. É um desperdício fazer da escolinha apenas um tempo e espaço de brincadeiras sem efeito. A inexistência de profissionalismo forte nessa área gerou o equívoco na sociedade no que diz respeito a valorização do educador que lida com crianças menores. A impressão é de que pessoas que trabalham com crianças de zero a seis anos cumprem reproduzem as mães ou babás (mal ou bem) e que merecem menor atenção, remuneração e, ainda pior, quase nenhuma formação.
Aquele que ensina letras e números parece ter mais importância e conhecimento. Há a distinção entre o cuidar e o educar. Essas duas imagens devem caminhar juntas, uma completando a outra. São idéias erradas sobre educação da criança em diferentes faixas etárias. Não importa a idade, se a criança é um bebê ou tem seis anos, ou até mais. Temos de integrar o cuidar e o educar. Questões muito relevantes e valiosas que devem ser incansavelmente tratadas nos cursos de formação.
Inegavelmente, a criança aprende a todo o tempo. Certa vez ouvi uma expressão sobre o aprendizado dos pequenos que me chamou a atenção e nunca mais esqueci. ‘ a criança é uma esponjinha de conhecimento’. É mesmo!. Absorve tudo o que está a sua volta, mas o filtro não é impermeável. Por conta disso, toda e qualquer pessoa que lide com elas, tem o compromisso de ser muito cuidadosa, criativa e dar bons exemplos. Elas imitam bastante.
São os adultos que instruem e que são os responsáveis pela aprendizagem saudável. A criança aprende com sons, gestos, articulações da fala, do corpo, imagens, formas, texturas, tamanhos, representações, brincadeiras de tipo faz-de-conta Quando frisamos que ao explorarmos essas experiências, enriquecemos a educação de qualquer criança. Contudo, é preciso material e professores que saibam fazer uso e dar vida aos objetos. Quando falo em material, não falo em brinquedos importados, caríssimos e que levariam as instituições à falência. Trabalhos de qualidade podem ser executados com muito sucesso apenas com a exploração de sucata. Não é lixo, é sucata. Professores criativos, com apoio da direção e da coordenação da escola, são capazes de elaborar projetos muito educativos indicando como material apenas tecidos, peças plásticas, papel (jornais e revistas), papel de presente e de embrulho usados, embalagens de produtos alimentícios... Muitas empresas descartam em abundância material rico. Não só as grandes, mas também e principalmente as de fácil acesso, tais como: confecções de fundo de quintal, escritórios pequenos, padarias, mercadinhos, marcenarias...A lista de opções é vasta. É preciso que haja orientação, disposição e mais carinho e amor ao trabalho para explorar com sabedoria essa lista e saber o que fazer com ela. Muita atividade inteligente e divertida pode nascer. Algumas escolas adotaram a brinquedoteca para suprir o brincar na escola. Mas esse espaço não era para ser utilizado nas escolas da maneira que está. As instituições reservam uma salinha, depositam os brinquedos e esporadicamente os professores levam as crianças para passarem um tempo lá brincando. Fica entendido como a hora do recreio, a hora divertida, mas sem aprendizado. Os brinquedos devem estar dentro das salas de aula e serem instrumentos de trabalho do professor. Outro ótimo recurso que todo professor poderia aprender a tirar proveito são os locais e as pessoas da própria comunidade. Uma visita à biblioteca, um passeio pela pracinha, chamar, por exemplo, um senhorzinho aposentado para contar histórias ‘reais’, uma jovem para falar um pouco de sua profissão (seja ela qual for), um estudante de música para mostrar e tocar o seu instrumento... Iniciativas como essas favorecem, trazem benefício para todos os envolvidos. São atitudes que revigoram, revitalizam, melhoram demais o sistema e acabam com a ‘chatice’ da escola.
Sem sentido é não tratar com empenho e veemência a cada-vez-mais-distante relação escola – família. Essa deve ser considerada uma lacuna grave no processo de formação do professor. Não há envolvimento da família no desenvolvimento escolar da criança. A família se mostra desvinculada da escola. Há um verdadeiro abismo entre professor e pais. Isso parece ser cômodo para os dois lados. É como se houvesse um acordo de consentimento na educação da criança: os pais incubem os professores da educação de seus filhos e os professores, por sua vez, se sentem livres para fazerem como sempre fizeram e acham ser a única forma correta ou agem como aprenderam na faculdade.
Para elucidar a importância e também a simplicidade desse pensamento, vale exemplificar a idéia. “Numa escola, uma das meninas experimentava tudo o que enrolava. Pegava o barbante e enrolava no dedo, na caneta, na cadeira. Estava testando coisas para amarrar e puxar. Um dia, ela se enrolou todinha com fitas, chegou perto da professora e disse: ‘pareço um pingüim’. Nesse momento, a professora pegou um livro e mostrou a figura do animal para a garota. Deu suporte a ela. Quando a mãe soube, a levou ao zoológico no final de semana para que ela visse o bichinho de verdade. Essa continuidade traz o desenvolvimento a criança Esse tipo de questão deveria ser discutido entre as famílias e a escola. Não só falar sobre festas juninas e fantasias para festas... Enquanto houver a divisão família de um lado e a escola de outro, nunca haverá qualidade na educação”.
Todo o profissional deve, antes de qualquer atitude, visualizar a sua escola. Analisar a realidade das crianças, das famílias, do bairro, das disponibilidades humanas e financeiras. O primeiro passo da mudança é reunir todos os envolvidos no dia-a-dia da escola, desde o diretor até a tia de limpeza. Depois com as famílias. Uma conversa clara, franca, repleta de opiniões e sugestões trarão à tona problemas, é claro, mas também muitas idéias, possibilidades e soluções. Milhares de coisas estão saltando diante de nossos olhos o tempo todo, mas não enxergamos. Estamos preocupados com a correria do cotidiano.

Referência:
Entrevista concedida pela Professora Titular do Departamento de Metodologia de Ensino e Educação Aplicada da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, Tizuko Morchida Kishimoto.

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