Filhos do coração
“ Não dá para expressar em palavras o que é ser mãe do coração. É uma alegria imensa, um orgulho... isso tudo eleva a alma e dá entusiasmo, ainda mais para mim, que já estou com mais de 50 anos e tenho até um neto.” As palavras, carregadas de emoção, certamente resumem os sentimentos dos pais que um dia, por algum motivo que pode variar da infertilidade ao amor à primeira vista por uma criança, optam pela adoção.
“ O filho do coração” de que falamos é Felipe, um menino que hoje tem 3 anos e meio e uma história de vida que impressiona muitos adultos. A mãe é Maria Rita Teixeira, diretora executiva da APAV – Associação Paranaense Alegria de Viver, entidade que abriga, hoje, 23 crianças entre 0 e 12 anos portadoras do HIV, o vírus causador da Aids. Foi justamente esse vírus que acabou cruzando a visa dos dois.
Por causa da doença da mãe biológica, Felipe nasceu prematuro e com uma série de problemas que o deixaram por alguns meses no hospital. Saindo de lá, seu destino seria a APAV. No dia da alta, o marido e a filha da Rita foram buscá-lo no hospital. “Durante todo o trajeto, meu marido o observava pelo espelho retrovisor, e se comoveu com o olhar forte dele. Ficou claro que existia algo a mais, como se fosse um pedido para viver conosco. A adoção foi unanimidade na família”.
Rita conta que o mais difícil foi explicar às outras crianças da APAV o porquê de apenas Felipe ter encontrado uma casa. “Mas todas aceitaram, entendendo que ele precisava de cuidados especiais, que poderia ter de ir a um hospital a qualquer hora e que, na casa, não teria todos os recursos necessários. No final, as crianças até ajudaram a escolher o nome dele. “ Se há dificuldades com a saúde do menino? Sim, mas quam não tem?”, pensa.
Exceção
Hoje Felipe é um menino feliz, que leva uma vida saudável graças aos medicamentos e, principalmente, ao carinho recebido da família que o adotou. Infelizmente, porém, ele é mais do que exceção. De acordo com uma pesquisa realizada pela Lídia Dobrianskyj Weber, da Universidade Federal do Paraná que abrangeu as cidades de todo o país, a maioria dos casais interessados em adoção levam para casa bebês saudáveis. Apenas 23% dos adotados abrangidos pela pesquisa apresentava algum problema, e quase sempre de fácil tratamento, como anemia ou desnutrição.
A idade das crianças quase sempre vai até os dois anos, e a exigência é maior com isso do que com a cor da pele. Além disso, foi revelada uma leve preferência por meninas (57% contra 43% por meninos).
Tais exigências contribuem para uma “fila de espera” dos pais. O juiz de direito da Infância e da Juventude, Dr. Fabian Schweitzer, acha que os brasileiros ainda não aprenderam que adoção existe para a criança, qualquer que seja, e não para satisfazer os adultos. “ A maioria dos pretendentes faz restrições demais quanto à cor de pele, cabello, dos olhos e da idade. Esses esperam mais porque exigem demais. A população do Brasil não é feita de Barbies.”
De acordo com Schweitzer, mais de 350 crianças, com idades entre 5 e 18 anos, estão aptas à adoção no Paraná atualmente. “Entre elas há grupos de 5 ou seis irmãos de diferentes idades, crianças negras e problemas com a saúde, que os paranaenses recusam para adoção. Esse quadro precisa mudar.”
Apesar das dificuldades para essas crianças, uma grande surpresa da pesquisa foi que mais da metade dos entrevistados demonstrou interesse em uma nova adoção. Quanto aos filhos, quase a totalidade consideram pai adotivos como verdadeiros.
Felipe ainda é pequeno para dar sua opinião, mas certamente ela não seria muito diferente da de Rita. “ O melhor presente para qualquer mãe, e ainda mais para mim, que considero todas as crianças da APAV como filhos, é vê-los saudáveis e felizes. Fui privilegiada com o amor deles.”
Reportagem de Karen Marcelja, publicada na Gazeta do Povo de 12/05/02 – Caderno Viver Bem.
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