Os termos brincadeira, jogo e lúdico podem ser consideradas como atividades livres, capazes de envolver seus participantes, sem seriedade gerando alegria e prazer.
Porém, uma reflexão sob o ato de brincar nos leva a compreensão de ser uma atividade séria para a criança.
Os jogos e os brinquedos fazem parte da vida da criança, independente de época, cultura e classe social, pois elas vivem num mundo de fantasia, de encantamento, de alegria, de sonhos, onde realidade e faz-de-conta se confundem. O jogo está na origem do pensamento, da descoberta de si mesmo, da possibilidade de conhecer, de criar e de mudar o mundo. Figueiredo (2004) apud kishimoto (2000).
Segundo Gomes (1993) “O primeiro brinquedo da criança é seu próprio corpo, que começa a ser explorado nos primeiros meses de vida passando, em seguida, a explorar no seu meio os objetos que produzem estimulações visuais, auditivas e cinestésicas”.
Portanto, com as brincadeiras a criança entra em contato com o mundo, adquire hábitos, e “todo hábito entra na vida como brincadeira” como pontua Benjamin (1984, p.75), também dá asas a sua imaginação, a fantasia, isto é, pode ser o que bem desejar ser, ora a mãe, ora o médico, ou a estrela do cinema, ou apenas ser feliz...
São características do jogo segundo Huizinga (1996), o prazer, aquilo que é livre, a falta de seriedade, as regras, o caráter de ficção, de representação e sua limitação no tempo e no espaço. Figueiredo (2004) menciona que: “A pouca seriedade”, a que faz referência Huizinga está mais relacionada ao cômico, ao riso, que acompanha na maioria das vezes, o ato lúdico que se contrapõe ao trabalho, considerado atividade séria. Não que a brincadeira infantil deixe de ser séria, pois, quando uma criança brinca, ela o faz de modo bastante compenetrado.
A brincadeira para a criança não representa o mesmo que o jogo e o divertimento para o adulto, recreação, ocupação do tempo livre, afastamento da realidade. Brincar não é ficar sem fazer nada, como pensam alguns adultos. O brincar das crianças “é feito de um fazer com o corpo, principalmente com seu movimento e com seu prazer.” Gomes (1993).
O ato de brincar tem para a criança um caráter sério porque é o seu trabalho, atividade através da qual ela desenvolve talentos naturais, descobre papéis sociais, limites, experimenta novas habilidades, forma um novo conceito de si mesma, aprende a viver e avança para novas etapas de domínio do mundo que a cerca.
A criança se empenha durante as suas atividades do brincar da mesma maneira que se esforça para aprender a andar, a falar, a comer etc. Brincar de faz de conta, de amarelinha, de roda, de esconde-esconde, de dominó, de jogo de câmbio são situações que vão sendo gradativamente substituídas por outras, à medida que o interesse é transferido para diferentes tipos de jogos. No desenvolvimento das crianças está evidente a transição, de uma fase para outra, que é a imaginação em ação. Ela precisa de tempo e de espaço para trabalhar a construção do real pelo exercício da fantasia. Kishimoto (2000)
Segundo Chateau (1987) uma criança, em seus primeiros anos de vida, gosta sempre de “fazer-se de boba”, de divertir-se, mas conhece perfeitamente a diferença entre “fazer-se de boba” e brincar/ jogar. Percebe-se isso quando ela chega às vezes a nos dizer “agora eu não estou brincando, estou falando sério”, isto demonstra claramente a sua capacidade de diferenciar o brincar do “fazer-se de boba”.
Ao observarmos atentamente crianças brincando de médico, fazendo uma massa de areia, construindo com cubos, brincando de polícia e ladrão, de casinha com papai, mamãe e filhinha, de “dar aula”; uns dos aspectos que nos chamará a atenção certamente será a seriedade com que elas o fazem, incorporando o papel de corpo e alma se compenetrando naquilo, tanto quanto, nós em nossas pesquisas mais sérias.
O modo com que lidam com as regras criadas para esses jogos é interessante, e quase sempre são regras rígidas, incluindo fadigas, que podem levá-las até mesmo ao cansaço. Além do mais, as crianças detestam ser interrompidas em suas brincadeiras e não admitem zombarias, se isso acontece, reagem quase sempre ignorando a interrupção, às vezes irritadas ou até mesmo agressivas. Figueiredo (2004) Podemos perceber então, que esta atividade, é muito mais que mero divertimento.
Isso tudo acontece, porque nos seus primeiros anos de vida, a criança pode chegar segundo Chateau (1987, p.20) “a absorver-se tão bem no seu papel que ela se identifica momentaneamente com a personagem que representa”.
Assim, a criança que joga não percebe o mundo ao seu redor como um jogador de vôlei num campo, mas mergulha dentro de seu jogo, porque ela o considera coisa séria.
Essa seriedade do jogo infantil é, entretanto, diferente daquela que consideramos por objeção ao jogo, à vida séria. Implica um afastamento do ambiente real, a criança parece esquecer o real e se torna o personagem em questão, o médico, a polícia, o ladrão, o pai, a mãe, o filho, o professor etc., já que se conhece como criança. O quadro real, amplo e social no qual está inserido, desapareceu. “Tudo passa como se o jogo operasse um corte no mundo, destacando no ambiente o objeto lúdico para apagar todo o resto” (Chateau: 1987 p.21).
Nessa perspectiva a criança só tem consciência da cena que está em primeiro plano, o restante desaparece ou se esconde temporariamente. O jogo, pois, constitui um mundo a parte, um outro mundo, distante do mundo dos adultos, isto é, o seu mundo lúdico.
Essa absorção do papel que representa esse afastamento do ambiente real pode ser considerada involuntária, a criança não age com a decisão de entrar no jogo, ela se projeta no imaginário da brincadeira/brinquedo.
Tendo em vista que, lúdico derivado da palavra “ludere” em latim segundo Huizinga (1996) tem o sentido de “simulação”, “ilusão” então podemos dizer que, ao destacar assim o objeto lúdico, a criança está se destacando, isto é, simulando um outro mundo só para ela, distanciando-se do mundo dos adultos, onde ela pode exercer sua soberania: pode ser rei, pai, professor, caçador.
Essa perspectiva desenha, assim, a sua personalidade, dando-lhe uma característica marcante, e ao mesmo tempo oferecendo-lhe novos poderes. No jogo a criança cresce, liberando-se do domínio sob o qual ela era nada mais que um ente submisso e como se sente pequena, tenta se realizar no seu mundo lúdico procurando fugir. Château (1987).
O adulto também se utiliza dessa evasão quando procura no jogo de aposta, de bilhar, o esquecimento dos seus problemas, o alívio de suas tensões. Mas essa fuga do real nem sempre é evasão, como por exemplo, quando um arquiteto que faz uma barragem primeiro executa o planejamento no papel, distante das pedras, do cimento etc., isto é, distancia-se do mundo no plano real. Idealiza, simula, imagina, cria uma outra realidade, só assim, depois retorna ao mundo real da construção propriamente dita da barragem. Assim, todo projeto, com efeito, é, em primeiro lugar, distanciamento do mundo ambiente.
Mas, esse distanciamento do mundo ambiente pode também ser voluntário, quando a criança utiliza das brincadeiras de competição ou de roda, em que ela decide fazer parte, ela cria um distanciamento a um mundo onde ela tem poder, onde pode criar um mundo onde as regras do jogo têm um valor que não têm no mundo dos adultos. O distanciamento funciona como um juramento de obediência às regras tradicionais, às regras pré-estabelecidas: “Quem joga, jurou” (Alain, 1932, apud Chateau, 1987. p.23); mas este é um juramento de esquecer o mundo da vida séria, onde as regras válidas são aquelas “combinadas pelo grupo”. Por isso o distanciamento surge voluntariamente. Figueiredo(2004).
Portanto, brincar é o “trabalho” da criança e é por meio de suas conquistas no jogo, que ela afirma seu ser, proclama seu poder e sua autonomia, explora o mundo, faz pequenos ensaios, compreende e assimila gradativamente suas regras e padrões, absorve esse mundo em doses pequenas e toleráveis.
Dessa forma, nenhuma criança brinca só para passar o tempo, sua escolha é motivada por processos íntimos, desejos, problemas, ansiedades. O que está acontecendo com a mente da criança determina sua atividade lúdica; brincar é sua linguagem secreta, que deve ser respeitada mesmo quando for difícil apreender o seu sentido.
O adulto tem por vezes dificuldade de apreender o significado da brincadeira tal qual a criança a vê e embora ela seja tida como uma atividade espontânea e livre pelos teóricos, na prática das escolas e de órgãos educacionais responsáveis às opiniões quanto a forma que o lúdico deva estar inserido, como por exemplo, nas horas do recreio, se dividem entre os que acham que deve haver monitorado e os que não. Fundamentando melhor o pensamento transcreveremos aqui umas entrevistas efetuadas, pela revista Nova Escola, à respeito do assunto:
__ Passamos a monitorar o recreio duas vezes por semana depois de constatar que muitas crianças simplesmente não sabiam brincar. Foi interessante observar que nos outros dias as mesmas brincadeiras foram feitas espontaneamente e de forma saudável. Guadalupe Cainso Boedo – Coordenadora pedagógica da Educação Infantil da Escola Santo Inácio, em São Paulo.
__Deixar a criança livre na hora do recreio é importante. Mas isso não tira da escola e dos professores a responsabilidade de estimular a criatividade, fornecer recursos físicos e materiais adequados para o aluno relaxar e, mais importante, de conscientizá-los sobre os limites das suas vontades fora da sala de aula.
Wober Júnior, Secretário de Educação do Rio Grande do Norte.
__Só é benéfico se os jogos e as brincadeiras feitos para atender os objetivos do currículo escolar forem interessantes para os alunos. Vale lembrar que o recreio livre pode ser extremamente monótono.
Helen Vieira Rodrigues, Chefe do Núcleo de Orientação Educacional da rede Pública de Ensino do Distrito Federal.
__Não tem sentido aplicar o recreio monitorado apenas para evitar brigas. A criança tem direito de usar o tempo livre para jogar conversa fora, dar risada e ficar sentada no banco tomando sol feito lagartixa sonolenta.
Lídia Weber, Coordenadora do núcleo de Análise do Comportamento da Universidade do Paraná.
Embora saibamos que na nossa estrutura escolar está correto o velho ditado popular “... Na prática a teoria é outra...” achamos que vale a pena tentar sempre melhorar as coisas que ai estão.
Assim, achamos oportuno trazer o pensamento de Brougère (2004):” O educador pode, portanto, construir um ambiente que estimule a brincadeira em função dos resultados desejados.”
E porque não nos recreios e nas aulas? A experiência prática nos mostra existir a necessidade do professor/educador ficar atento, para oferecer possibilidades e situações de jogos/brincadeiras nos ambientes escolares, que eles sejam permeados de atividades lúdicas, para que a criança tenha a oportunidade de provar a sua superioridade, de expressar-se, de evadir-se do mundo real, de ser séria no seu diminuto mundo lúdico.
*Maria Auxiliadora Vasconcelos Peres Lima - Professora de Educação Física - USP - especialista em Atividades - Fisico - Desportivas - Biomecânica - USP
Mestre em Educação - UFMT.
Atualmente Professora no Curso de Educação Física do Centro Universitário de Vargea Grande - Mt ministrando a Disciplina de Capacidade e Aptidão Física
E-mail: auxiliadoralima@terra.com.br
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