Belo Horizonte, 28 de janeiro de 2006: uma menina de 2 meses é resgatada com vida da Lagoa da Pampulha, onde havia sido deixada embrulhada num saco plástico. Londrina, 16 de janeiro de 2006: outra menina, de 20 dias, é encontrada pela polícia em um matagal, nos fundos de um motel. Nova Aurora, Oeste paranaense, 25 de dezembro de 2005: o mecânico Lorival Gomes de Lira encontra uma garotinha recém-nascida dentro de uma sacola plástica, no meio de uma plantação de soja ao lado de um cemitério.
Casos como esses e outro menos drmáticos, em que os filhos recém nascidos são deixados em hospitais, igrejas, banheiros ou ainda na casa de outras famílias, ocorrem com freqüência também em Curitiba. Só o Conselho Tutelar do Pinheirinho registrou 11 casos de abandono de crianças com menos de um ano de idade entre 15 de janeiro de 2004 e 24 de janeiro último.
Mas a frieza dos números não responde a pergunta: o que leva uma mãe a largar o filho recém – nascido? A resposta não é fácil, nem imediata. “Boa parte alega que o bebê estaria pior com elas”, relata Jussara da Silva Gouveia, titular do Conselho Tutelar do Pinheirinho e presidente da Associação dos Conselheiros Tutelares de Curitiba. “Para mim é um ato de desespero, porque não tem coisa mais importante para uma mulher que ser mãe. Na maioria das vezes ela abandona porque foi largada pelo companheiro e não consegue ver a possibilidade de criar a criança. Com freqüência também à pobreza se somam distúrbios emocionais, em especial a depressão pós-parto”.
A psicóloga doutora em Psicologia Experimental e pesquisadora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Lídia Weber chama a atenção para outra possível causa: a herança afetiva. “Carolina Santos, uma aluna minha de mestrado em Psicologia da Infância, fez uma dissertação sobre este tema – o que leva uma mãe a abandonar um filho – há dois anos”, conta. “Ela reuniu dois grupos nas regiões metropolitanas de Curitiba e Porto Alegre, cada um composto por 21 mães com as mesmas características socioeconômicas, mesmo nível educacional e condições semelhantes de emprego e moradia. Mas em um deles as mães tinham abandonado seus filhos – não necessariamente bebês -, e no outro não”.
Na pesquisa, Carolina constatou que a diferença crucial entre os dois grupos foi como estas mães foram criadas na infância. “A grande maioria das mães que abandonaram foi maltratada ou negligenciada pelos pais, o que confirmou a nossa hipótese, de que elas deixaram seus filhos porque não aprenderam a amar”, resume Lídia.
Por telefone de aonde mora, em Blumenau (SC), Carolina – hoje doutoranda na área de Educação – falou sobre o trabalho, que foi apresentado por Lídia em um congresso em Atlanta (EUA). “Os estudos nessa área sempre focaram os pais que adotam e a criança abandonada, nunca os pais que abandonam. Mas eu só consegui reunir essas mães por indicação de outras”.
Sobre o resultado, Carolina reiterou o ciclo a que se referiu sua orientadora: “A qualidade da interação familiar dessas mães abandonantes foi péssima. Como elas foram maltratadas, ou tiveram pais que não lhes deram afeto, não foram capazes de transmitir afeto. Já as mães do outro grupo, que cresceram em famílias menos precárias, não abandonaram seus filhos. A história pregressa foi superior a tudo, à pobreza, à ausência do companheiro e todas as outras variáveis”.
Por falar em companheiro, a autora do estudo notou outro ponto importante: a ausência e/ou a indiferença dos pais das crianças nos dois grupos. “E no grupo das mães que abandonaram, os pais sempre apareceram como alguns dos principais incentivadores ao ato. O que quer dizer que foram tão abandonantes quanto elas”.
Reportagem de Luigi Poniwass, publicada na Gazeta do Povo de 31 de janeiro de 2006
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