quinta-feira, 10 de setembro de 2009

O QUE SERÁ O AMANHÃ?
Por Cássia D´Aquino

De assalto a cigana tomou minha mão em Granada e começou a declarar meu futuro. Fosse pelo inusitado ou por serem notícias de meu agrado, deixei que as boas novas corressem. Um raro momento, “pero que las hay” em minha biografia. Atirem a primeira pedra. A moça, ladina, percebendo que atraía minha atenção e farejando um par de euros, dobro a aposta. Para tornar meu destino verossímil, deu de instilar-me alguma preocupação com o porvir: “Receberás de su mamá um telegrama com uma má noticia”. Aquilo me pegou de jeito. “Telegrama?” – insisti. “Si. Enbreve”. Pois foi o que bastou para dar cabo de minha fé tão novinha. Olhei firme para ela e, em português e sem pressa, devolvi: “Aperta o F5, cigana. Minha mãe usa o msn”.
Se estamos num mundo em que até tecnologia de predição envelhece, é preciso cuidar de atualizar a maneira como educamos nossos filhos para a vida adulta. A idéia de que para garantir o reino da estabilidade financeira basta assegurar o estudo em bons colégios, e, na seqüência, em excelentes universidades, pode ter servido, com muita sorte, à educação que recebemos de nossos pais. Pessoalmente, até disso duvido.
As condições do mercado de trabalho que nossos filhos conhecerão exigirão outros roteiros. Afinal, se a medicina, nos dias de melhor humor, assegura que nossos filhotes viverão até os 120 anos; os estudiosos da economia não têm sido alvissareiros. As notícias que chegam por esses últimos dão conta da crescente redução no número de vagas em quase todos os setores. Ou seja, mais gente, disputando um número cada vez menor de empregos. Nossos filhos terão esse problema a resolver pelo meio do caminho.
Resolução de problemas é, aliás, o nome do jogo. Torná-los capazes de assumirem tarefas profissionais em qualquer parte do mundo, tornando-os adaptáveis às mudanças nas carreiras e condições de trabalho locais, exigirá mais que o conhecimento de três ou quatro idiomas – requisito, já hoje, considerando fundamental em várias áreas.
Ensinar as crianças a resolver problemas implica, antes de mais nada, em estimulá-las a encontrar soluções para seus dilemas, não importando se corriqueiros. Tal é o caso das bolinhas que vão parar embaixo do sofá. No script tradicional, ao ver-se sem o brinquedo, a criança aciona esticada de braço resolve o problema. Quer dizer, resolve o problema de fazer a criança parar de pedir que peguem a bola. Mas não resolve o problema de ensiná-la a tornar-se um adulto capaz de equacionar dificuldades.
Muito mais produtivo para o futuro da cria é devolver-lhe a solução do impasse. “A bolinha caiu? E como é que você pode resolver isso?”. Dar tempo para que ela possa imaginar saídas para a situação – não importa quão estapafúrdias possam parecer (puxar com a vassoura? Levantar o sofá? Apelar para os Cavaleiros do Zodíaco?), é uma etapa importante nesse processo de aprendizagem. Ajudá-la, num segundo momento, a avaliar as melhores opções para, por fim, testá-las, é a melhor ajuda que se pode dar num episódio desse tipo.
Está posto que esse mesmo processo de resolução de problemas vale para cadernos esquecidos na escola em véspera de prova ou para os pára-lamas do seu carro, displicentemente amassados pelo sangue do seu sangue. Mas é talvez no que diz respeito ás falências de mesadas que a aplicação desse princípio assume as melhores cores.
Não raro os pais cometem o erro de atrelar o pagamento da mesada ao cumprimento de tarefas domésticas. Com isso conseguem apenas criar confusão no ambiente familiar. Melhor separar o joio e o trigo dessa história. As tarefas que os pais julguem ser de obrigação dos filhos devem ser cumpridas. E ponto. Não importa que isso aconteça com base na persuasão (“cada um de nós deve colaborar para a organização da casa, meu anjo”) ou no principio pouco simpático, mas perfeitamente legítimo, do “vai fazer porque eu estou mandando!”. O que não se admite, em hipótese alguma, é pagar as crias para que arrumem o quarto ou lavem a louça.
Voltando às mesadas, convém saber que falir de vez em quando nessa fase é, em certo sentido, desejável. Afinal, antes falir aos 11 com pouca grana que aos 45 com quantias significativamente maiores. Assim, seja por insolvência, ou pelo não menos raro desejo de algum consumo maior que os limites da grana que recebem, volta e meia os herdeiros se vêem confrontados com a necessidade de resolver algum problema de fluxo de caixa.
Para prevenir essas ocasiões, e ajudar os filhos e encontrar solução para o dilema financeiro que atravessam, minha sugestão é que os pais mantenham às vistas dos pretensos candidatos a empréstimos redentores uma tabela de serviços que possibilitem alavancar a grana extra. Exemplos: limpar a piscina; dar banho no cachorro; lavar o carro; podar as plantas; ser manicure ou massagista.
O que importa é que sejam serviços que os pais, em candições habituais, se veriam na contingência de contratar alguém de fora da família para executar. Mantendo essa tabela com preços compatíveis com a capacidade de realização e experiência dos interessados, é possível ensinar aos herdeiros que confiamos em sua capacidade de encontrar saídas para seus impasses. E que, no que diz respeito ao dinheiro, trabalho não é nunca o problema. Aliás, é quase sempre a única solução.

*Cássia D´Aquino é especialista em educação financeira e membro da Internatinal Association for Citizenship, Social and Economics (IACSEE).

FONTE: Portal EXAME

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