quarta-feira, 9 de setembro de 2009

O DIREITO DE BRINCAR

Na contramão do mercado, um seletíssimo grupo de escolas particulares de São Paulo, incapaz de atender a todos os pedidos de matrícula, criou uma prova para selecionar candidatos a vagas de ensino fundamental e médio. O chamado “vestibulinho” – uma das preocupações até há pouco exclusivas da elite paulistana, disposta a bancar uma mensalidade acima de R$ 1.000,00 – tornou-se, na semana passada, foco de uma polêmica nacional.
Com direito a apoio do ministro Cristovam Buarque o Conselho Nacional de Educação recomendou a proibição dos “vestibulinhos”. Motivo: os testes gerariam em crianças tão pequenas uma ansiedade destrutiva, abalando-lhes a auto-estima.
Mas será que a responsabilidade do estresse é das escolas que aplicam os testes ou dos pais que submetem seus filhos ao processo de seleção precoce?
Por conta da busca de sucesso, uma tendência se espalha na sociedade – e explica, em parte, porque os pais submetem seus filhos ao “vestibulinho”.
Crianças de famílias mais ricas têm um cotidiano de executivo, ocupadas de manhã até de noite. Tudo isso em nome do futuro, mais precisamente do vestibular, porta para as melhores faculdades.
Talvez não exista como substituir o vestibular enquanto houver, nos cursos mais concorridos, mais candidatos do que vagas – aliás, é exatamente isso que ocorre no seletíssimo grupo de escolas que aplicam o “vestibulinho”, disputadas porque as famílias confiam em sua qualidade.
Mas o vestibular como instrumento de avaliação de aptidões é inútil; mede, no máximo, conhecimento passageiro e descartável.
Educar é ensinar o encanto da possibilidade, e aprender é sentir a emoção da descoberta. Gostar de aprender sempre é melhor (e o mais útil) que uma escola pode ensinar a seus estudantes. O resto é detalhe.
Somente progride, de verdade, em sua profissão quem gosta de aprender; basta ver o histórico das pessoas que atingiram o sucesso profissional.
Ansiosos, os pais querem que seus filhos aprendam rapidamente a ler e escrever, quando deveriam apenas saborear a contação de histórias.
As crianças ganham computadores e são obrigadas a brincar com jogos educativos; muitas são submetidas a programações culturais maçantes. Quando crescem, são empurradas para os mais diferentes tipos de curso complementar.
Obviamente, nada contra programações culturais, domínio da leitura, da escrita e da informática ou contra os cursos de línguas. O problema surge quando se atinge, em nome do futuro, o direito de brincar – e se arrisca, então o próprio futuro.
Brincar é, em essência, experimentar a emoção da descoberta. É surpreender-se investigando, no cume da árvore, as frutas e as flores. É admirar as conchas da praia, olhar os peixes no rio, sentir o gosto da chuva no rosto, sujar-se na lama, entrar nas cavernas. Ou, simplesmente, ficar sem fazer nada vendo as coisas, quaisquer coisas passarem, entretido com o canto de um pássaro. É cutucar a terra, descobrir a minhoca cortá-la em pedaços e ver as várias partes se contorcerem. É ficar sentado, intrigado com as cores do arco-íris.
Na brincadeira, unem-se o prazer e o aprendizado. Todos os profissionais que conheci trabalham como se estivessem brincando. Até podem gostar de ganhar muito dinheiro, mas, provavelmente, fariam o que fazer (e com o mesmo empenho) por pouco dinheiro.
Dizem que a exceção confirma a regra, mas ainda não vi, neste caso, a exceção: quanto mais longe vai o indivíduo, mais prazer ele tem naquilo que faz. Por isso ele suporta tanto estresse e frustração – o preço que é cobrado pelo alto desempenho.
Mesmoque curse a melhjor faculdade e tire ótimas notas, o estudante não vai muito longe se não tiver aprendido, dentro ou fora da escola, onde está o melhor de si próprio. Isso significa que o pior que pode acontecer a um adulto é matar sua criança brincalhona.
Para ser um profissional razoável, estudo e empenho já são um bom caminho. Para ser bom, além de estudo e empenho, exige-se talento e intuição. Mas para ser inovador e superar os patamares da excelência, é preciso, além de tudo isso, sentir sempre e intensamente a emoção da descoberta – ou seja, gostar de brincar.

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