Identidade: o desafio da infância
“As crianças não são mais os ‘filhos de’ que moram na casa branca de janelas verdes. Hoje não sabemos quem mora na casa do lado ou no andar de cima. Mal nos cumprimentamos nos elevadores e não sabemos os nomes dos nossos vizinhos de porta. Adeus à pertinência, identidade, segurança e auto-estima.”
Um dia desses, em uma escorregada saudosista, lembrei de um fato que ficou esquecido por quase 50 anos. Lá longe, mais ou menos com 10 anos, estava no meio de uma briga com um garoto do bairro, longe vários quarteirões da minha casa, quando subitamente fui afastado com um puxão de orelhas por um cidadão que eu não conhecia. O surpreendente é que ele sabia o meu nome, o dos meus pais e aonde morávamos. Foi taxativo: “Seus pais são gente de bem e devem achar que você está jogando bola, pare de brigar e vá para casa”.
Esta lembrança mobilizadora me fez refletir sobre as crianças de hoje. Elas sofrem de uma dupla perda de identidade. A primeira diz respeito à identidade sócio-cultural. Não existe mais o bairro e a rua de pertinência, porque a rua se transformou em um cenário de guerra, não se brinca mais fora de casa e também porque na nossa alienação nem perceberíamos que dois garotos estão brigando.
As crianças não são mais os ‘filhos de’ que moram na casa branca de janelas verdes. Hoje não sabemos quem mora na casa do lado ou no andar de cima. Mal nos cumprimentamos nos elevadores e não sabemos os nomes dos nossos vizinhos de porta. Adeus à pertinência, identidade, segurança e auto-estima.”
A segunda perda é a da identidade familiar. Neste mundo caótico, de intensa mobilidade social, da procura de melhores empregos ou da quimérica qualidade de vida, os membros das famílias se distanciam e diminuem muito o contato afetivo.
Por ter menos contato, em especial com avós, as crianças têm menos chances de ouvir os costumes, mitos e romances familiares, via transmissão oral. Têm que construir o passado por meio de algumas poucas fotos e histórias distorcidas ou contadas a meia pelos jovens pais.
Gabriel Garcia Márquez em seu livro Viver para Contar nos ensina que a vida não é a que se viveu, se não a que lembramos e de como contamos nossas lembranças. As escolas tiveram que tomar para si essa incumbência, que acabou virando um trabalho escolar. Nada contra mas temos que reconhecer que nossas crianças entram em contato com os “retalhos dos retalhos” do passado e podem correr o risco de ficar sem referências.
Os avós são importantes por isso e por muitas outras coisas maravilhosas. Um provérbio chinês diz que os avós devem mostrar aos netos que os picos das montanhas existem, cabe aos pais lhe mostrar como chegar até eles.
Leonardo Marcos Posterna
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